sexta-feira, 29 de abril de 2016

AAPBB em FOCO - 30.04.2016

Este artigo vincula-se ao artigo AAPBB em FOCO, de 16.04.2016, Parte IX, “Palestra do Desembargador Federal Sérgio D’Andréa Ferreira”, em que apresentei minha visão pessoal sobre o Simpósio Sobre Fundos de Previdência Complementar Fechada e Planos de Saúde, celebrado nos dias 12 e 13 de abril de 2016, planejado e organizado pela AAPBB – Associação de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil.
Naquela nota, expus as razões que me levaram a não abordar a riqueza de conhecimentos jurídicos que foram transmitidos aos presentes àquele evento, pela magistral   palestra proferida pelo   Ilustríssimo Desembargador Federal SÉRGIO D’ANDREA FERREIRA.
Adiante, transcrevo a formação acadêmica, a magnífica trajetória jurídica do palestrante e as razões que apresentei para não invadir uma seara que considerei de exclusiva competência e domínio do ilustríssimo Desembargador SÉRGIO D’ANDREA FERREIRA.
Em seguida, presenteio os internautas que acessam este blog, com a integralidade do artigo, de autoria do Desembargador SÉRGIO D’ANDREA FERREIRA, em que ele transcreve   o conteúdo de riquíssimo saber jurídico,  que ele transmitiu em sua magistral palestra na AAPBB.
Registro que esta matéria, de 28.04.2016, foi extraída do site da AAPBB.
ADAÍ ROSEMBAK
Associado da AAFBB, ANABB, AFABB-RS e ANAPLAB

Formação acadêmica e trajetória jurídica do Desembargador SÉRGIO D’ANDRÉA FERREIRA.
Sérgio D’Andréa Ferreira, filho de Lauro Barbosa Ferreira e de Haydée de Andrea Ferreira, nasceu no Rio de Janeiro.
Sua formação escolar deu-se nos Colégios Anglo Americano e Mello e Souza, tendo-se bacharelado pela Faculdade de Direito da então Universidade do Estado da Guanabara (atualmente Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ), na qual obteve prêmio por ter sido o 1º colocado em todas as séries do curso, com a maior média final já alcançada naquela academia, assim como os títulos em Direito e de livre-docente.
Lecionou Direito Administrativo na UERJ, Universidade Santa Úrsula e Fundação Getúlio Vargas, sendo professor titular.
Advogado militante até sua posse no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em vaga destinada à classe; membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e de outras associações culturais; foi integrante do corpo jurídico da Light Serviços de Eletricidade S.A., e parecerista.
No Ministério Público Estadual, em que ingressou por concurso público de provas e títulos (1º colocado), exerceu os cargos de defensor público, promotor, curador, subprocurador geral e procurador geral de justiça.
É autor, dentre outros, dos livros “Comentários à Constituição Federal de 1988”, “As Fundações de Direito Privado Instituídas pelo Estado”, “Direito Administrativo Didático”, “O Direito de Propriedade e as Limitações e Ingerências Administrativas”, “A Técnica da Aplicação da Pena como Instrumento de sua Individualização”, “Princípios Institucionais do Ministério Público” e “Lições de Direito Administrativo”, bem como de cerca de 90 artigos e pareceres publicados em diferentes revistas jurídicas , entre as quais a Revista Forense, de Direito Administrativo e de Direito Público.
Participante de cursos, congressos, seminários, encontros e bancas de concurso (inclusive para o cargo de juiz federal), proferiu palestras e conferências, no Brasil e no exterior.
Sérgio D’Andréa aposentou-se em 01.08.1994.

NOTA deste blogueiro de 16.04.2016:
Confesso que fiquei maravilhado com a palestra do Desembargador Federal Sérgio D’Andréa Ferreira. Foi uma longa exposição dentro do Direito no que tange ao surgimento dos Fundos de Previdência Complementar Fechada até às mudanças e desafios que se apresentam no futuro. Assim, também podemos classificar sua palestra não só como uma aula de direito, mas também como um mergulho na história dos fundos de previdência complementar fechada no Brasil.
Como nas apresentações anteriores do Dr. Rui Brito de Oliveira Pedrosa e de Isa Musa de Noronha, o tempo da exposição voou e adentrou o espaço para os debates.
E, se não fosse a intervenção providencial de Marcos Coimbra, a falação do palestrante entraria pelo período reservado para o almoço.
 Ao final da palestra, os presentes estavam embevecidos e radiantes com o riquíssimo saber jurídico que foi transmitido a todos.
Ao redigir este artigo, cheguei a um ponto estanque em que não consegui avançar ao tentar elaborar um relato fidedigno sobre a palestra do Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira. Rebusquei na internet, pelo Google, por sites diversos, por livros e outras fontes, o máximo possível de informações que me possibilitassem concluir meu trabalho.
Após dois dias, acumulei uma massa imensa de informações, mas, assim mesmo, não consegui atingir meu objetivo.
Senti um grande cansaço, mal-estar e frustração pela impossibilidade de concluir minha tarefa. Nunca antes havia me defrontado com um desafio como esse na elaboração de meus artigos.
O descanso em uma   situação como essa é fundamental.
Fui dormir e, no meio da noite, acordei e cheguei à mesma conclusão que um escritor já havia descrito com fidelidade: “uma situação sem solução já está resolvida. ”
Senti um grande alívio e, a partir desse ponto, comecei a redigir este relato sobre a exposição do Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira.
Ninguém, a não ser o próprio Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira, está apto a fazer uma síntese sobre sua própria palestra.
Qualquer iniciativa nesse sentido, seja por quem for que se atrevesse a tanto, além de ser um desrespeito ao ilustríssimo jurista, seria um arremedo incompleto, infiel e apequenado em relação ao que o ilustríssimo Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira expôs aos presentes naquele simpósio.
Assim, não me resta outra alternativa que não seja transferir ao próprio Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira, a elaboração de um relato sobre essa obra ímpar e preciosa de sua autoria.
Só ele está apto para tanto.
Será uma honra transcrever neste espaço essa admirável peça de inestimável valor jurídico.

Palestra do Ilustríssimo Desembargador Sérgio D’Andrea Ferreira proferida no Simpósio Sobre Fundos de Previdência Complementar Fechada e Planos de Saúde, promovida pela AAPBB – Associação de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil, nos dias 12 e 13.04.2016.

Contrato de Adesão:

Ato Jurídico Perfeito e Direito Aquirido 

I – A Contratualidade Previdencial Privada

A) O CONTRATO PREVIDENCIAL PRIVADO DOS PARTICIPANTES, COM ESTIPULAÇÕES EM FAVOR DOS BENEFICIÁRIOS

                        É inegável, a esta altura do desenvolvimento do Direito da Previdência Privada, a existência do contrato previdenciário privado, do contrato de benefício, criador da situação jurídica subjetivada do participante e de seus beneficiários.

A identificação da natureza contratual, do inter-relacionamento em pauta, é fiel à natureza da situação jurídica dos participantes e assistidos, e, por isso, veio a ser constitucionalmente consagrado pela Emenda nº 20/98.

Com efeito, ao alterar a CF, explicitou ela que as condições contidas, nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das EFPC’s, são de índole contratual (art. 202, caput, e § 2º), inclusive quanto ao benefício (que integra a remuneração do participante assistido) e as contribuições do empregador, que não compõem, é certo, o contrato de trabalho, mas fazem parte do conjunto negocial de previdência privada.

Na cabeça do art. 202, a Carta Política Nacional alude a “benefício contratado”; e, no respectivo § 2º, a “condições contratuais”.

Falando em ”benefício contratado” e em “condições contratuais”, a CF, na sua nova versão, evidencia que, desde a inscrição, no Plano, há contrato, com as denotações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

Na vinculação EFPC-participante, há, primeiramente, oferta, proposta de contrato, nos termos estatutários e regulamentares.

Aliás, repise-se que a Constituição reconhece que as “condições contratuais” estão contidas “nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada” (CF, art. 202, § 2º, cit.). Nota-se que, não apenas os diplomas regulamentares, mas também os estatutários contêm cláusulas contratuais. Outrossim, grife-se que a CF menciona, individualizadamente, “regulamentos” e “‘planos”.

Trata-se da espécie do gênero oferta a uma massa, ao conjunto, no caso fechado, de empregados de uma empresa, de uma entidade, ou de um conjunto de empresas ou entidades.

Dirige-se a todos do conjunto, mas, ao contrário de outras ofertas do gênero, nas quais apenas unus ex publico pode aceitar, já, nesta hipótese, todos; ou melhor, cada um pode fazê-lo.

A declaração de vontade, do interessado, de admissão, de inscrição, traduz a aceitação das condições contratuais, estatutárias, e regulamentares, e das outras fontes já referidas; selando o contrato e subjetivando a situação jurídica como participante.

Há sucessividade nas duas expressões de vontade, mas a segunda bilateriza o que, até então, era unilateral.

                        O ato jurídico bilateral é a fusão de dois atos unilaterais.

Está-se na área dos contratos de adesão, que supõem oferta a um conjunto de pessoas, cada uma delas aceitando, em cada caso, o que foi oferta a todos, ou, mais exatamente, a cada um (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, São Paulo, RT, 3ª ed., XXXVIII:34).     

Não há simples “invitatio ad offerendum”, “convite para a oferta”, mas ”oferta mesmo”.

A vinculação é logo o primeiro efeito do negócio jurídico que se concluiu, o que se dá através da ocorrência do consenso, pelo requerimento de admissão como participante. Já tem lugar, em consequência, o nascimento do direito subjetivo e do dever jurídico, que defluem, automaticamente, da “vinculação. ”

Apesar de tratar-se de contrato de adesão – de tipo ou padrão -, ainda assim se trata de contrato, o que extrema, radicalmente, a situação em tela da de índole objetiva, dita, também, estatutária: no contrato de adesão, a situação jurídica dos contratantes é subjetiva, criada por negócio jurídico bilateral (mesmo resultante de duas expressões volitivas sucessivas), sejam as cláusulas respectivas estabelecidas por normas jurídicas, que, ocorrido o fato gerador, se torna subjetivador, conteúdo do ato jurídico subjetivo; sejam aquelas estipuladas livremente pelo ofertante, com a adesão do cocontratante.

                        Mister faz-se ressalvar que a noção de contrato de adesão está ligada à fase de formação da bilateralidade do negócio jurídico, e não aos efeitos; porquanto é ele, como qualquer contrato, ato jurídico perfeito, vinculativo das partes, e gerador de direitos subjetivos adquiridos.

                        Existem, porém, peculiaridades quanto à proteção do aderente, o qual, na ótica do Direito Social, é a parte mais fraca.

                        Nessa moldura, há regras específicas de interpretação, favoráveis ao aderente: arts. 423 e 424 do Código Civil de 2002; art. 51, I, do Código de Defesa do Consumidor.

                        Este, já não aplicável, diretamente, às relações previdenciais privadas, no âmbito fechado, consoante o Enunciado na Súmula STJ nº 563; mas sim, em sede principiológica, como o grande Estatuto, que é, do Direito Social Brasileiro.

B) O CONVÊNIO DE ADESÃO

                        Patrocinador originário é aquele que cria a EFPC e participa do processo de implantação de seu estatuto (art. 5º, § 1º, I, b, da Resolução CGPC nº 08, de 19.02.2004) e do regulamento de seu plano de benefícios primeiro (art. 5º, § 1º, V, d): é o patrocinador da entidade (dicção da primeira disposição citada) e de seu plano de benefícios (dicção do segundo dispositivo indicado).

                        Posição similar tem o instituidor da entidade (art. 5º, § 1º, I, b, cit.) e do plano dos benefícios (art. 5º, § 1°, V, d, cit.).

                        A formalização da vinculação, a cada plano, dá-se por meio da celebração do que a lei denomina de convênio de adesão (LC 109/01, art. 13).

                        Os patrocinadores e instituidores ulteriores são aqueles que aderem à entidade e ao plano já operativo.

                        Participam, quer originários, quer os ulteriores, de alterações estatutárias e regulamentares posteriores à sua adesão (Resolução CGPC 08/04, art. 5º, II, d; e VI, f).

                        Os convênios de adesão, e suas alterações, carecem de aprovação pelo órgão fiscalizador (art. 5°, III e IV).

                        Temos que o convênio de adesão é um negócio jurídico de parceria; de caráter complexo ou misto, com elementos típicos de modelos negociais contemplados por lei e elementos atípicos.

                        Fundamental é a causa negocial, a que título um negócio jurídico é celebrado: a razão imediata das vontades declaradas; quer da EFPC, que, por meio do regulamento, oferece, a empresa ou outras entidades, o negócio jurídico; quer dessas na adesão à proposta negocial.

                        Na parceria, com a EFPC, tudo que faz o patrocinador, como sua denominação indica, é a título de patrocínio, ou seja, de suporte, de amparo, de auxílio, proteção, de apoio financeiro, de custeio, ainda que parcial do plano; o que dá sentido a seus aportes contributivos.

                        Do latim patrocinius, proteção, em Roma, dos patrícios aos plebeus; cognata com patronus, protetor dos plebeus; já decorria, em latim, ser o patrono, o protetor, o defensor.

                        Aliás, é, neste sentido, que o patrocinador tem, de acordo com o disposto no art. 41, § 2º, da LC 109/01, “a responsabilidade pela supervisão sistemática das atividades das suas respectivas entidades fechadas”.           

                        No campo da Previdência Privada Fechada, o patrocinador é movido por motivos de política de recursos humanos, fiscais, de aumento da produtividade, a par é claro, de outros, ligados à sua responsabilidade social.

                        Mas esses são motivos extrajurídicos, que não integram o substrato jurígeno do ato de patrocínio, pois que, juridicamente, o que tem relevância é a causa, ou seja, a função que o sistema jurídico reconhece a determinado tipo de ato jurídico; a que título é esse praticado.

                        Na espécie, a causa se vincula à condição de parceiro com a EFPC, para, dentro dos preceitos legais e negociais, e, entre outros aspectos, custear o plano.

                        Nessa moldura, a adesão, a esse, pelo patrocinador, difere daquela do participante, que o faz para ser destinatário e comantenedor; enquanto o primeiro, para ser só mantenedor, que, aliás, era a designação empregada, nos albores da Previdência Privada Fechada, em nosso País, anteriormente ao advento da Lei 6.435/77.

                        Hão de ser compreendidos os desdobramentos dessa posição jurídica, inclusive no debate, que é travado, em torno da legitimidade, ou não, da participação do patrocinador, na destinação do superávit, especialmente na modalidade de reversão de valores.

                        No negócio jurídico parciário, avulta a causa associativa (não-personalizante), de cooperação; não se tratando, pois, de negócio jurídico de colaboração, como o de prestação de serviços pelas EFPC’s (pelo menos, às ortodoxas).

                        Encontra-se, na essência dessa espécie, a existência de um fim comum; sendo que há comunhão de finalidade, e não contraposição de interesses; mas convergência para um ponto comum.

                        Há uma coatuação das partes, objetivando a concretização do plano de benefícios.

                        Cumpre anotar que a própria EFPC, que pode, ou não ser patrocinadora de seus planos; no caso afirmativo, há de formalizar convênio de adesão ao mesmo; assumindo, perante ele, uma nova posição jurídica; pelo que celebra, via plano, um verdadeiro negócio jurídico consigo mesmo.

                        A parceria previdencial privada contempla ‘cláusulas referentes aos direitos e obrigações do patrocinador ou instituidor e da entidade fechada de previdência complementar’ (Resolução CGPC 08/04, art. 3º, III); encargos, dotados de exigibilidade e efetividade, de ambas as partes com o plano de benefícios: a EFPC, executando-o, administrando-o; e a aderente, cumprindo suas obrigações, para com aquele; ambas as partes, com direitos correlatos, referenciados ao plano, e à sua massa destinatária.

II –  O artigo 68, § 1º, em face do artigo 17, parágrafo único

                        Analisemos, à luz dos conceitos antes expendidos, os dispositivos sub examine.

                        Comecemos pela exegese do art. 68, § 1º.

Façamos a análise do significado dos termos elegível e elegibilidade, que são referenciados ao momento em que se torna exercitável, ou seja, se consolida a pretensão; se faz exigível a concessão do benefício.

A assunção da condição de habilitado a exercitar o direito potestativo gerador, e, portanto, de titular do direito futuro deferido ao benefício, se participante-ativo, ou o direito atual à pensão, se beneficiário, é o que a lei denomina “elegibilidade”.

                        O termo “elegibilidade” tem tido seu emprego criticado no setor previdenciário privado, porque não traduziria, adequadamente, seu objeto, ou seja, a situação de partícipe do plano, que, como a própria LC 109/01 enuncia, no citado parágrafo único de seu art. 17, “tenha preenchido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano”; cláusula a que corresponde, no mesmo contexto, a locução “data em que se tomou elegível a um benefício de aposentadoria”.

                        O uso, contudo, na hipótese, dos vocábulos, “elegibilidade” e “elegível” tem sua razão de ser.

                        Embora, certamente, produtos da tradução do inglês “‘eligibility”, também em português se admite a utilização que lhe foi dada por nossa legislação.

                        Como qualidade de ser “eligible”, o termo “elegibility” tem o sentido de qualificação legal, para uma eleição, uma nomeação, uma escolha; provindo de “elect”, escolher dentre mais de um.

                        Em nossa língua, os termos estão ligados, efetivamente, à ideia de eleição, de escolha.

Igualmente em nosso idioma, “eleger” é “preferir entre dois ou mais, escolher”; “dar preferência”; “mudar, transferir-se de estado” (AULETE, HOUAISS). “Eleger” deriva do latim “eligere”, escolher. Os “eleitos”, a “elite” são os “escolhidos”.

                        Esse conjunto etimológico e semântico tem pertinência com a situação de quem, sendo participante ativo ou beneficiário inscrito, ou com outro título de legitimidade, passa a ter condições, pelo preenchimento dos pressupostos necessários, de “escolher”, de “optar” por passar ao estado de assistido: ser “elegível a um benefício” significa poder fazer “opção”, requerendo-o.

                        A noção linguística embutida nos vocábulos, e traduzida na situação factual antes tracejada, é caracterizada, juridicamente, pela identificação de um direito potestativo de opção, de que é titular o participante ou o beneficiário.

                        Esse direito formativo é, como direito de opção, um direito potestativo gerador (PONTES, op. cit., V: 313), direito-poder formador da situação jurídica de assistido.

                        Esse direito potestativo é direito adquirido ab ovo, mas com seu exercício retido até a completação dos pressupostos correspondentes; ou seja, era adquirido, mas, até a elegibilidade, não exercitável, ou seja, ainda não consumado; o participante, ou beneficiário se torna elegível.  

                        Nessa contextura, aquilo que era direito futuro deferido, passa, pela expressão de vontade do titular do direito subjetivo de opção, cujo exercício é condicionado ao preenchimento de determinados pressupostos, a direito atual, completamente adquirido, em função do exercício do direito potestativo; direito, esse, só exercitável, mercê de preenchimento dos referidos pressupostos.

                        O que o § 1º do art. 68 da LC 109/01 faz é, simplesmente, reconhecer consumado – não confundir com exaurido.

                        Com efeito, a formalização do requerimento, dito de “concessão do benefício”, não é pressuposto de elegibilidade, ou seja, de exercício do direito de opção, mas o próprio exercício desse, e, portanto, consubstanciador da opção.

                        O direito de opção existe e já está adquirido, sendo a elegibilidade sua consumação, pela habilitação a seu exercício, que, ocorrendo, o faz exercitado.

                        Impõe-se distinguir, no Regulamento do Plano Previdencial, o que é ontologicamente regulamentar – como disposições procedimentais – e aquilo que é proposta de contrato, figurante no Plano de Benefícios. Somente as modificações das primeiras atingem os participantes e beneficiários ainda não elegíveis.

                        As últimas, quando se incorporam a um contrato de adesão, individualizado, passam, in casu, a ser cláusulas contratuais.

                        Enquanto propostas, suas alterações só envolvem os empregados e dirigentes do patrocinador que ainda não aderiram.

                        Nesse quadro, constata-se que o parágrafo único do art. 17 também é favorável aos partícipes do plano, eis que lhes assegura a ultratividade da parte efetivamente regulamentar (alude, o texto da regra, a ‘disposições regulamentares’), desde a elegibilidade a benefício ligado a aposentadoria; como é o caso das disposições de custeio normal.

                        Aliás, a interpretação do termo ‘aposentadoria’ há de ser no sentido de benefício programado e de invalidez, porquanto, como estatui o art. 68, § 2º, ‘a concessão de benefício pela previdência complementar não depende de benefício pelo regime geral de previdência social’; e, no caso de plano ligado a instituidor, por exemplo, nada têm a ver, em geral, os benefícios, com aposentação, tratando-se de rendas mensais programadas ou de risco.

                        Verifica-se, em suma, que a disposição do parágrafo único do art. 17 complementa a do § 1º do art. 68, pois que, se a primeira regra abrangesse a parte contratual do regulamento do plano, quanto a essa ela seria inútil, diante da segunda.  E é princípio jurídico de que, na lei, não há disposições, nem palavras inúteis.

                        Trata-se de hipótese de ultraeficácia ou ultratividade; fenômeno jurídico consistente na incidência da regra em período posterior à sua revogação.

                        Não se confunde ela, com a asseguração do direito adquirido, porquanto este diz respeito a direitos subjetivos, a situações concretizadas, segundo o Direito Intertemporal; enquanto a primeira tem relação com as disposições jurídicas (estatais ou negociais, como a de estatuto, de regimento, de regulamento), cuja eficácia incidente sobreviverá ao término da respectiva vigência; caracterizando a ultraeficácia, se essa prevista estiver.

                        Constitui o oposto, pois, da retroatividade ou retroeficácia, que se identifica com a eficácia irradiada para antes do início da vigência.

                        Trata-se, destarte, a regra do parágrafo único do art. 17, de matéria de Direito Transitório, cujos preceitos, como sua designação indica, dispõem sobre situações de transição entre dois regimes jurídicos – o primeiro, revogado e substituído por um novo –, e que não estariam protegidas pelos princípios e regras de Direito Intertemporal, o qual tem, como institutos básicos, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Situações outras, que merecem, porém, resguardo, por envolverem interesses legítimos, que devem ser preservados pelo Direito.

                        Ao preceituar, o parágrafo único do art. 17 da LC 109/01, a asseguração, ao partícipe elegível, a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que a elegibilidade, a um benefício de aposentação, se consumou, só está estabelecendo a ultraeficácia do que, no regulamento do plano, tem natureza estatutária, objetiva, e, por isso, não se descolou daquele, e não se tornou cláusula contratual individualizada.

                        Quanto às dessa espécie, funciona a garantia da Intangibilidade das situações subjetivas contratuais, em face de ato unilateral de uma das partes.

Em verdade, o que se fez contratual, deixou, para o partícipe contratante, de ser regulamentar; e, portanto, à sua situação são alheias as alterações das disposições que foram objeto da proposta do contrato que celebrou.

                        Por outro lado, além desse significado garantidor, a regra legal em comento tem significação limitante.

Com efeito, a norma consagra a inexistência de direito a parcelas de benefício; assegurando, tão somente, esse, em sua integralidade, quando do atingimento, para o partícipe, da condição de elegível.

                        Sinaliza, portanto, que não existe direito a parcelas proporcionais de benefício, pois que, do contrário, se poderia cogitar, de um direito de opção, precoce, antes da elegibilidade ordinária.

Diferentes de “parcelas de benefícios” são, certamente, os benefícios proporcionais, inclusive os saldados e antecipados; que, de configuração negocial expressa, já são objeto de direito adquirido do participante, desde a adesão.

                        Ressalvem-se, também, os institutos do resgate e da portabilidade, que têm normatividade específica; mas ambos já adquiridos, em certo momento, mas consumados.

                        Do Direito Intertemporal cuida o § 1º do art. 68.

                        Esse, no entanto, só tem por objeto o direito adquirido consumado, o direito adquirido exercitável; definindo o fato gerador da configuração da exercibilidade, que é a elegibilidade, pelo preenchimento dos pressupostos de exercício de direito já adquirido.

                        Os dispositivos em referência, não são, portanto, inconstitucionais; exigindo, porém, que interpretação conforme a Constituição, na moldura tracejada.


 Desembargador Federal Sergio D’Andréa Ferreira

2 comentários:

  1. Ruy Brito de Oliveira Feitosa29 de abril de 2016 às 18:49

    Colega Adaí,

    Temos a honra de cumprimentá-lo por seu inspirado registro da palestra proferida pelo Desembargador Sergio de Andréa Ferreira no simpósio promovido pela AAPBB; em realidade uma aula para todos nós sobre os objetivos do sistema de Previdência Complementar, disciplinado pelo contrato de adesão, no qual “o benefício contratado evidencia que, desde a inscrição no plano, há contrato, com as denotações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito”.

    Queremos testemunhar, nesta oportunidade, nosso respeito e nossa admiração, à opção do Doutor Sérgio de Andréa ferereira, de dedicar sua reconhecida cultura jurídica à serviço dos direitos republicanos do homem e da mulher que dependem do fruto de seu trabalho para viverem com dignidade.

    Cordialmente Ruy Brito.

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    1. Dr. Ruy Brito de Oliveira Feitosa,

      Sinto-me imensamente dignificado com sua apreciação ao meu registro sobre a palestra proferida pelo Desembargador Sérgio D'Andréa Ferreira.
      Concordo plenamente com seu testemunho em que expressa respeito e admiração à opção do Digníssimo Desembargador Sérgio D'Andréa Ferreira de dedicar sua elevada cultura jurídica em prol da proteção dos homens e mulheres que dependem de seu trabalho para terem uma vida digna.
      Aproveito este ensejo para também ressaltar o seu papel vital na AAPBB na defesa das causas e interesses dos aposentados e pensionistas do BB.
      Para mim, foi uma imensa honra e um momento de crescimento pessoal participar desse tão bem sucedido simpósio e, fundamentalmente, ter a oportunidade de trocar ideias e conversar sobre assuntos de nossa área com sua pessoa.

      Atenciosamente

      Adaí Rosembak

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