Não
temos como fugir do tema que nos
bombardeia continuamente na mídia: “A propagação planetária do coronavírus (COVID-19)
que exigirá um dispendioso esforço de pesquisa a fim de se criar uma vacina eficaz para impedir as pessoas de serem atingidas por esse mal.
Os mais
avançados centros tecnológicos do Mundo também procuram aperfeiçoar métodos e
remédios para curar os que já foram atingidos por esse vírus.
A par
dos imensos gastos governamentais, até que se descubram remédios que impeçam a propagação
do vírus, será necessário que se mantenha uma abrangente “quarentena” de todos os
cidadãos para evitar a propagação do corona vírus.
Em meio
a um imenso turbilhão de providências, é necessário que o Governo promova um
esforço de conscientização da sociedade para o pleno sucesso de todas essas medidas.
No que
tange a esse aspecto de divulgação, análise e administração
de providências, eventualmente temos a
felicidade de nos deparar com verdadeiras joias literárias muito bem lapidadas.
Acabei
de tomar conhecimento do excelente artigo “O avesso do caos: Quando tudo passar, voltaremos a
ser quem éramos?”, que reproduzo
abaixo, elaborado pela Dra. JÚLIA
ROCHA, médica,
apaixonada por música, e agora também, blogueira e escritora.
É uma
peça que atinge o fundo de nossa alma e nos dá a esperança de que, ao fim de
tudo que estamos passando e ainda passaremos, tal qual uma “fênix”, figura da mitologia grega que
representa a mais bela das aves, que depois de viver por 500 anos, entra em
combustão e renasce como uma outra ave que poderia viver mais de mil anos.
Com o
surgimento do Cristianismo, a fênix passou a representar a idéia de ressurreição
e de vida após a morte.
Declaro-me
imensamente surpreso e feliz por me defrontar por texto tão tocante e belo.
Espero que
todos desfrutem da mesma leitura que me proporcionou tanto prazer e admiração.
Boa
Leitura !!
ADAÍ ROSEMBAK
Associado
da AAFBB, ANABB e ANAPLAB
“O AVESSO
DO CAOS: QUANDO TUDO PASSAR, VOLTAREMOS A SER QUEM ÉRAMOS?”
JÚLIA
ROCHA
O
momento atual é uma esquina da história.
Quem
procura na memória não encontra precedentes para o que vivemos nas últimas
semanas ou meses.
A
overdose de informações, a intensa exposição do tema no rádio, na TV e na
internet mudaram a nossa capacidade de perceber e de intuir sobre a realidade.
Olhamos
para os números, mas não enxergamos o que há para além deles.
Cinco
mortos, seis, sete, oito. Se fossem dois, três ou trinta, estaríamos igualmente
alarmados.
Os
últimos dias levaram grande parte da nossa racionalidade.
Atualizamos
a situação com olhos fixos nas múltiplas telas.
Repetimos
rituais de limpeza e de busca por fontes seguras de notícias.
Sentimos
saudade dos pais e avós que estão abrigados no bairro ao lado.
Visitamos
ressabiados o mercado do bairro cuidando para não encostar desnecessariamente
em nada.
Convenhamos,
é impossível sair mentalmente ileso do caos global instalado e da vivência tão
intensa e absoluta do que mais nos angustia em dias como estes: a INCERTEZA.
Não
estamos certos de que os cuidados que estamos tomando sejam suficientes.
Saímos
rapidamente de casa para reabastecer a geladeira e ao voltarmos somos
inevitavelmente tomados pelo medo de expor nossos familiares a uma possível
contaminação.
Nos
xingamos uns aos outros por atitudes aparentemente inofensivas como esbarrar a
roupa que foi na rua no móvel da entrada da casa.
Questionamos
internamente os protocolos sugeridos pelas entidades médicas, pelos gestores
públicos e, aí, lavar as mãos com água e sabão vira usar álcool gel por duas ou
três vezes, tomar banho, colocar a roupa suja cuidadosamente na máquina,
lavá-la com água bem quente e muito sabão.
Estourando
a bolha de sabão e álcool gel da classe média, avistamos ao longe, no alto dos
morros nossos irmãos mais vulneráveis.
Descobrimos
que para metade da população do país, ficar em casa, ter acesso à água limpa e
receber notícias de fonte relativamente segura já é um luxo sem tamanho.
Somos
esta nação.
Somos
este grupo que se identifica de forma única como povo brasileiro, mas, em vez
de tentarmos sobreviver de forma coesa, nos tornamos esta aberração que se
previne usando as evidências científicas pela metade.
No
asfalto, milhões de seres humanos confinados, escondidos atrás de barricadas de
antissépticos.
Na
favela, milhões de seres humanos pobres, em moradias precárias, convivendo com
famílias numerosas, em barracos pequenos, mal ventilados, sem água limpa ou
saneamento básico.
São
estes pobres jogados à própria sorte, que estão nos vendendo álcool nas
farmácias, abastecendo nossos carros nos postos de gasolina, entregando nossas
pizzas no nosso confinamento.
Ou
seja, meu amor, ou nos protegemos como grupo, salvando primeiro as pessoas e
depois a economia, ou estaremos todos em risco.
A conta
da desigualdade vai chegar também aos condomínios.
Os
capitães da meritocracia, que acham que negros e negras, descendentes de
africanos escravizados por 300 anos no Brasil, moram no alto dos morros e vivem
uma vida precária por que não se esforçaram o suficiente ou por que escolheram
esses lugares para reduzirem seus custos, também receberão seus boletos.
Quis a
natureza e a evolução da espécie que o vírus se espalhasse democraticamente.
Mesmo
sem conhecer pessoalmente seus hospedeiros é possível intuir quem está mais
apto a sobreviver a esta infecção.
De um
lado, temos um Brasil que vai ao médico sempre que precisa, que come bem, que
tem lazer, que trabalha pouco, que se exercita, que viaja para a Europa, que
pode trabalhar em casa.
Do outro,
temos um Brasil que trabalha muito, em ambientes insalubres, que enfrenta
transporte público precário e que come mal.
O
estrago é maior quanto maior a vulnerabilidade física de quem se infecta.
Seguimos
irracionais, contabilizando cada novo caso, mesmo sabendo que os números
oficiais, há muito, não são mais confiáveis.
O
planeta agradece com ar e água mais limpos a desaceleração global.
Estamos
em pleno trabalho de parto.
Como
não poderia deixar de ser, parto é doloroso, difícil e, por vezes, longo.
Se
durar pouco, esse processo pode não gerar reflexão suficiente.
Se
durar muito, os estragos podem gerar o nascimento de um mundo fragilizado, mas
se durar tempo suficiente para reflexão e mudança interior, o planeta pode
parir um mundo novo, saudável, melhor e mais justo.
Não se
iludam.
Não
depende de cada um de nós.
Deixemos
o individualismo infantil no passado.
É hora
de organização, solidariedade e senso de coletividade.
É hora
de parirmos sistemas de saúde públicos fortes, eficientes.
É hora
de respeitar direitos humanos para todos.
É hora
de parirmos sistemas públicos de educação capazes de formar cidadãos críticos,
criativos e conscientes.
É hora
de reduzirmos produção e consumo, e distribuir de forma igualitária e justa as
riquezas deste planeta.
Quem
fará isso? Prefiro a resposta de ASSATA SHAKUR:
"Ninguém
no mundo, ninguém na história, nunca conseguiu a liberdade apelando para o
senso moral de seu opressor."
Pretas e pretos, nações indígenas,
trabalhadores, não esperemos muito do que não vier de nós.
JÚLIA ROCHA
E C O A
– Por Um Mundo Melhor.UOL
Pessoas,
empresas e organizações com iniciativas transformadoras em Educação, Saúde,
Meio Ambiente, Trabalho, Diversidade, Vida Urbana e Gestão ...
Por um mundo melhor . Blogs e colunas . Reportagens especiais.
Sobre a
autora:
Mineira de
Belo Horizonte, JÚLIA ROCHA nasceu em uma família de músicos e médicos e
decidiu conciliar as duas paixões também em sua vida.
É uma mulher
de esquerda e sua opção é pelos pobres e oprimidos. Fácil constatar...
Tornou-se médica
com a mesma naturalidade com que se tornou cantora.
JÚLIA ROCHA se
apresenta como “especialista em gente, médica de família e comunidade.”
Sobre o blog:
Um espaço para
refletir sobre a importância da humanização do atendimento médico e sobre
questões da vida em geral.
Afinal, a
saúde vai muito além de diagnósticos e receituário.