Este artigo vincula-se
ao artigo AAPBB em FOCO, de 16.04.2016, Parte IX, “Palestra do Desembargador
Federal Sérgio D’Andréa Ferreira”, em que apresentei minha visão pessoal sobre o
Simpósio Sobre Fundos de Previdência Complementar Fechada e Planos de Saúde, celebrado
nos dias 12 e 13 de abril de 2016, planejado e organizado pela AAPBB –
Associação de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil.
Naquela nota, expus as
razões que me levaram a não abordar a riqueza de conhecimentos jurídicos que
foram transmitidos aos presentes àquele evento, pela magistral palestra proferida pelo Ilustríssimo
Desembargador Federal SÉRGIO D’ANDREA FERREIRA.
Adiante, transcrevo a
formação acadêmica, a magnífica trajetória jurídica do palestrante e as razões
que apresentei para não invadir uma seara que considerei de exclusiva
competência e domínio do ilustríssimo Desembargador SÉRGIO D’ANDREA FERREIRA.
Em seguida, presenteio
os internautas que acessam este blog, com a integralidade do artigo, de autoria
do Desembargador SÉRGIO D’ANDREA FERREIRA, em que ele transcreve o conteúdo
de riquíssimo saber jurídico, que ele
transmitiu em sua magistral palestra na AAPBB.
Registro que esta
matéria, de 28.04.2016, foi extraída do site da AAPBB.
ADAÍ ROSEMBAK
Associado da AAFBB,
ANABB, AFABB-RS e ANAPLAB
Formação acadêmica e
trajetória jurídica do Desembargador SÉRGIO D’ANDRÉA FERREIRA.
Sérgio D’Andréa
Ferreira, filho de Lauro Barbosa Ferreira e de Haydée de Andrea Ferreira,
nasceu no Rio de Janeiro.
Sua formação escolar
deu-se nos Colégios Anglo Americano e Mello e Souza, tendo-se bacharelado pela
Faculdade de Direito da então Universidade do Estado da Guanabara (atualmente
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ), na qual obteve prêmio por ter
sido o 1º colocado em todas as séries do curso, com a maior média final já
alcançada naquela academia, assim como os títulos em Direito e de livre-docente.
Lecionou Direito
Administrativo na UERJ, Universidade Santa Úrsula e Fundação Getúlio Vargas,
sendo professor titular.
Advogado militante até
sua posse no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em vaga destinada à classe; membro do Instituto dos Advogados
Brasileiros – IAB e de outras associações culturais; foi integrante do corpo
jurídico da Light Serviços de Eletricidade S.A., e parecerista.
No Ministério Público
Estadual, em que ingressou por concurso público de provas e títulos (1º
colocado), exerceu os cargos de defensor público, promotor, curador,
subprocurador geral e procurador geral de justiça.
É autor, dentre outros,
dos livros “Comentários à Constituição Federal de 1988”, “As Fundações de
Direito Privado Instituídas pelo Estado”, “Direito Administrativo Didático”, “O
Direito de Propriedade e as Limitações e Ingerências Administrativas”, “A
Técnica da Aplicação da Pena como Instrumento de sua Individualização”,
“Princípios Institucionais do Ministério Público” e “Lições de Direito Administrativo”,
bem como de cerca de 90 artigos e pareceres publicados em diferentes revistas
jurídicas , entre as quais a Revista Forense, de Direito Administrativo e de
Direito Público.
Participante de cursos,
congressos, seminários, encontros e bancas de concurso (inclusive para o cargo
de juiz federal), proferiu palestras e conferências, no Brasil e no exterior.
Sérgio D’Andréa
aposentou-se em 01.08.1994.
NOTA deste blogueiro de
16.04.2016:
Confesso que fiquei
maravilhado com a palestra do Desembargador Federal Sérgio D’Andréa Ferreira.
Foi uma longa exposição dentro do Direito no que tange ao surgimento dos Fundos
de Previdência Complementar Fechada até às mudanças e desafios que se apresentam
no futuro. Assim, também podemos classificar sua palestra não só como uma aula
de direito, mas também como um mergulho na história dos fundos de previdência
complementar fechada no Brasil.
Como nas apresentações anteriores
do Dr. Rui Brito de Oliveira Pedrosa e de Isa Musa de Noronha, o tempo da
exposição voou e adentrou o espaço para os debates.
E, se não fosse a
intervenção providencial de Marcos Coimbra, a falação do palestrante entraria
pelo período reservado para o almoço.
Ao final da palestra, os presentes estavam
embevecidos e radiantes com o riquíssimo saber jurídico que foi transmitido a
todos.
Ao redigir este artigo,
cheguei a um ponto estanque em que não consegui avançar ao tentar elaborar um
relato fidedigno sobre a palestra do Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira.
Rebusquei na internet, pelo Google, por sites diversos, por livros e outras
fontes, o máximo possível de informações que me possibilitassem concluir meu
trabalho.
Após dois dias,
acumulei uma massa imensa de informações, mas, assim mesmo, não consegui
atingir meu objetivo.
Senti um grande
cansaço, mal-estar e frustração pela impossibilidade de concluir minha tarefa.
Nunca antes havia me defrontado com um desafio como esse na elaboração de meus
artigos.
O descanso em uma situação como essa é fundamental.
Fui dormir e, no meio
da noite, acordei e cheguei à mesma conclusão que um escritor já havia descrito
com fidelidade: “uma situação sem solução já está resolvida. ”
Senti um grande alívio
e, a partir desse ponto, comecei a redigir este relato sobre a exposição do
Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira.
Ninguém, a não ser o
próprio Desembargador Sérgio D’Andréa Ferreira, está apto a fazer uma síntese
sobre sua própria palestra.
Qualquer iniciativa
nesse sentido, seja por quem for que se atrevesse a tanto, além de ser um
desrespeito ao ilustríssimo jurista, seria um arremedo incompleto, infiel e
apequenado em relação ao que o ilustríssimo Desembargador Sérgio D’Andréa
Ferreira expôs aos presentes naquele simpósio.
Assim, não me resta
outra alternativa que não seja transferir ao próprio Desembargador Sérgio
D’Andréa Ferreira, a elaboração de um relato sobre essa obra ímpar e preciosa
de sua autoria.
Só ele está apto para
tanto.
Será uma honra
transcrever neste espaço essa admirável peça de inestimável valor jurídico.
Palestra do
Ilustríssimo Desembargador Sérgio D’Andrea Ferreira proferida no Simpósio Sobre
Fundos de Previdência Complementar Fechada e Planos de Saúde, promovida pela
AAPBB – Associação de Aposentados e Pensionistas do Banco do Brasil, nos dias
12 e 13.04.2016.
Contrato de Adesão:
Ato Jurídico Perfeito e Direito Aquirido
I – A Contratualidade Previdencial Privada
A) O CONTRATO PREVIDENCIAL PRIVADO DOS PARTICIPANTES, COM
ESTIPULAÇÕES EM FAVOR DOS BENEFICIÁRIOS
É inegável, a esta altura do desenvolvimento do Direito da Previdência
Privada, a existência do contrato previdenciário privado, do contrato de
benefício, criador da situação jurídica subjetivada do participante e de seus
beneficiários.
A identificação da natureza contratual, do
inter-relacionamento em pauta, é fiel à natureza da situação jurídica dos
participantes e assistidos, e, por isso, veio a ser constitucionalmente
consagrado pela Emenda nº 20/98.
Com efeito, ao alterar a CF, explicitou ela que as condições
contidas, nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das EFPC’s, são de
índole contratual (art. 202, caput, e § 2º), inclusive quanto ao benefício (que
integra a remuneração do participante assistido) e as contribuições do
empregador, que não compõem, é certo, o contrato de trabalho, mas fazem parte
do conjunto negocial de previdência privada.
Na cabeça do art. 202, a Carta Política Nacional alude a “benefício
contratado”; e, no respectivo § 2º, a “condições contratuais”.
Falando em ”benefício contratado” e em “condições contratuais”,
a CF, na sua nova versão, evidencia que, desde a inscrição, no Plano, há
contrato, com as denotações do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.
Na vinculação EFPC-participante, há, primeiramente, oferta,
proposta de contrato, nos termos estatutários e regulamentares.
Aliás, repise-se que a Constituição reconhece que as “condições
contratuais” estão contidas “nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios
das entidades de previdência privada” (CF, art. 202, § 2º, cit.). Nota-se que,
não apenas os diplomas regulamentares, mas também os estatutários contêm
cláusulas contratuais. Outrossim, grife-se que a CF menciona,
individualizadamente, “regulamentos” e “‘planos”.
Trata-se da espécie do gênero oferta a uma massa, ao
conjunto, no caso fechado, de empregados de uma empresa, de uma entidade, ou de
um conjunto de empresas ou entidades.
Dirige-se a todos do conjunto, mas, ao contrário de outras
ofertas do gênero, nas quais apenas unus ex publico pode aceitar, já, nesta
hipótese, todos; ou melhor, cada um pode fazê-lo.
A declaração de vontade, do interessado, de admissão, de
inscrição, traduz a aceitação das condições contratuais, estatutárias, e
regulamentares, e das outras fontes já referidas; selando o contrato e
subjetivando a situação jurídica como participante.
Há sucessividade nas duas expressões de vontade, mas a
segunda bilateriza o que, até então, era unilateral.
O ato jurídico bilateral é a fusão de dois atos unilaterais.
Está-se na área dos contratos de adesão, que supõem oferta a
um conjunto de pessoas, cada uma delas aceitando, em cada caso, o que foi
oferta a todos, ou, mais exatamente, a cada um (PONTES DE MIRANDA, Tratado de
Direito Privado, São Paulo, RT, 3ª ed., XXXVIII:34).
Não há simples “invitatio ad offerendum”, “convite para a
oferta”, mas ”oferta mesmo”.
A vinculação é logo o primeiro efeito do negócio jurídico que
se concluiu, o que se dá através da ocorrência do consenso, pelo requerimento
de admissão como participante. Já tem lugar, em consequência, o nascimento do
direito subjetivo e do dever jurídico, que defluem, automaticamente, da “vinculação.
”
Apesar de tratar-se de contrato de adesão – de tipo ou padrão
-, ainda assim se trata de contrato, o que extrema, radicalmente, a situação em
tela da de índole objetiva, dita, também, estatutária: no contrato de adesão, a
situação jurídica dos contratantes é subjetiva, criada por negócio jurídico
bilateral (mesmo resultante de duas expressões volitivas sucessivas), sejam as
cláusulas respectivas estabelecidas por normas jurídicas, que, ocorrido o fato
gerador, se torna subjetivador, conteúdo do ato jurídico subjetivo; sejam
aquelas estipuladas livremente pelo ofertante, com a adesão do cocontratante.
Mister faz-se ressalvar que a noção de contrato de adesão está ligada à
fase de formação da bilateralidade do negócio jurídico, e não aos efeitos;
porquanto é ele, como qualquer contrato, ato jurídico perfeito, vinculativo das
partes, e gerador de direitos subjetivos adquiridos.
Existem, porém, peculiaridades quanto à proteção do aderente, o qual, na
ótica do Direito Social, é a parte mais fraca.
Nessa moldura, há regras específicas de interpretação, favoráveis ao
aderente: arts. 423 e 424 do Código Civil de 2002; art. 51, I, do Código de
Defesa do Consumidor.
Este, já não aplicável, diretamente, às relações previdenciais privadas,
no âmbito fechado, consoante o Enunciado na Súmula STJ nº 563; mas sim, em sede
principiológica, como o grande Estatuto, que é, do Direito Social Brasileiro.
B) O CONVÊNIO DE ADESÃO
Patrocinador originário é aquele que cria a EFPC e participa do processo
de implantação de seu estatuto (art. 5º, § 1º, I, b, da Resolução CGPC nº 08,
de 19.02.2004) e do regulamento de seu plano de benefícios primeiro (art. 5º, §
1º, V, d): é o patrocinador da entidade (dicção da primeira disposição citada)
e de seu plano de benefícios (dicção do segundo dispositivo indicado).
Posição similar tem o instituidor da entidade (art. 5º, § 1º, I, b,
cit.) e do plano dos benefícios (art. 5º, § 1°, V, d, cit.).
A formalização da vinculação, a cada plano, dá-se por meio da celebração
do que a lei denomina de convênio de adesão (LC 109/01, art. 13).
Os patrocinadores e instituidores ulteriores são aqueles que aderem à
entidade e ao plano já operativo.
Participam, quer originários, quer os ulteriores, de alterações
estatutárias e regulamentares posteriores à sua adesão (Resolução CGPC 08/04, art.
5º, II, d; e VI, f).
Os convênios de adesão, e suas alterações, carecem de aprovação pelo
órgão fiscalizador (art. 5°, III e IV).
Temos que o convênio de adesão é um negócio jurídico de parceria; de caráter
complexo ou misto, com elementos típicos de modelos negociais contemplados por
lei e elementos atípicos.
Fundamental é a causa negocial, a que título um negócio jurídico é
celebrado: a razão imediata das vontades declaradas; quer da EFPC, que, por
meio do regulamento, oferece, a empresa ou outras entidades, o negócio
jurídico; quer dessas na adesão à proposta negocial.
Na parceria, com a EFPC, tudo que faz o patrocinador, como sua
denominação indica, é a título de patrocínio, ou seja, de suporte, de amparo,
de auxílio, proteção, de apoio financeiro, de custeio, ainda que parcial do
plano; o que dá sentido a seus aportes contributivos.
Do latim patrocinius, proteção, em Roma, dos patrícios aos plebeus;
cognata com patronus, protetor dos plebeus; já decorria, em latim, ser o
patrono, o protetor, o defensor.
Aliás, é, neste sentido, que o patrocinador tem, de acordo com o
disposto no art. 41, § 2º, da LC 109/01, “a responsabilidade pela supervisão
sistemática das atividades das suas respectivas entidades fechadas”.
No campo da Previdência Privada Fechada, o patrocinador é movido por
motivos de política de recursos humanos, fiscais, de aumento da produtividade,
a par é claro, de outros, ligados à sua responsabilidade social.
Mas esses são motivos extrajurídicos, que não integram o substrato
jurígeno do ato de patrocínio, pois que, juridicamente, o que tem relevância é
a causa, ou seja, a função que o sistema jurídico reconhece a determinado tipo
de ato jurídico; a que título é esse praticado.
Na espécie, a causa se vincula à condição de parceiro com a EFPC, para,
dentro dos preceitos legais e negociais, e, entre outros aspectos, custear o
plano.
Nessa moldura, a adesão, a esse, pelo patrocinador, difere daquela do
participante, que o faz para ser destinatário e comantenedor; enquanto o
primeiro, para ser só mantenedor, que, aliás, era a designação empregada, nos
albores da Previdência Privada Fechada, em nosso País, anteriormente ao advento
da Lei 6.435/77.
Hão de ser compreendidos os desdobramentos dessa posição jurídica,
inclusive no debate, que é travado, em torno da legitimidade, ou não, da
participação do patrocinador, na destinação do superávit, especialmente na
modalidade de reversão de valores.
No negócio jurídico parciário, avulta a causa associativa
(não-personalizante), de cooperação; não se tratando, pois, de negócio jurídico
de colaboração, como o de prestação de serviços pelas EFPC’s (pelo menos, às
ortodoxas).
Encontra-se, na essência dessa espécie, a existência de um fim comum;
sendo que há comunhão de finalidade, e não contraposição de interesses; mas
convergência para um ponto comum.
Há uma coatuação das partes, objetivando a concretização do plano de
benefícios.
Cumpre anotar que a própria EFPC, que pode, ou não ser patrocinadora de
seus planos; no caso afirmativo, há de formalizar convênio de adesão ao mesmo;
assumindo, perante ele, uma nova posição jurídica; pelo que celebra, via plano,
um verdadeiro negócio jurídico consigo mesmo.
A parceria previdencial privada contempla ‘cláusulas referentes aos
direitos e obrigações do patrocinador ou instituidor e da entidade fechada de
previdência complementar’ (Resolução CGPC 08/04, art. 3º, III); encargos,
dotados de exigibilidade e efetividade, de ambas as partes com o plano de
benefícios: a EFPC, executando-o, administrando-o; e a aderente, cumprindo suas
obrigações, para com aquele; ambas as partes, com direitos correlatos,
referenciados ao plano, e à sua massa destinatária.
II – O artigo 68, §
1º, em face do artigo 17, parágrafo único
Analisemos, à luz dos conceitos antes expendidos, os dispositivos sub
examine.
Comecemos pela exegese do art. 68, §
1º.
Façamos a análise do significado dos termos elegível e
elegibilidade, que são referenciados ao momento em que se torna exercitável, ou
seja, se consolida a pretensão; se faz exigível a concessão do benefício.
A assunção da condição de habilitado a exercitar o direito
potestativo gerador, e, portanto, de titular do direito futuro deferido ao
benefício, se participante-ativo, ou o direito atual à pensão, se beneficiário,
é o que a lei denomina “elegibilidade”.
O termo “elegibilidade” tem tido seu emprego criticado no setor
previdenciário privado, porque não traduziria, adequadamente, seu objeto, ou
seja, a situação de partícipe do plano, que, como a própria LC 109/01 enuncia,
no citado parágrafo único de seu art. 17, “tenha preenchido os requisitos para
obtenção dos benefícios previstos no plano”; cláusula a que corresponde, no
mesmo contexto, a locução “data em que se tomou elegível a um benefício de
aposentadoria”.
O uso, contudo, na hipótese, dos vocábulos, “elegibilidade” e “elegível”
tem sua razão de ser.
Embora, certamente, produtos da tradução do inglês “‘eligibility”,
também em português se admite a utilização que lhe foi dada por nossa
legislação.
Como qualidade de ser “eligible”, o termo “elegibility” tem o sentido de
qualificação legal, para uma eleição, uma nomeação, uma escolha; provindo de “elect”,
escolher dentre mais de um.
Em nossa língua, os termos
estão ligados, efetivamente, à ideia de eleição, de escolha.
Igualmente em nosso idioma, “eleger” é “preferir entre dois
ou mais, escolher”; “dar preferência”; “mudar, transferir-se de estado”
(AULETE, HOUAISS). “Eleger” deriva do latim “eligere”, escolher. Os “eleitos”,
a “elite” são os “escolhidos”.
Esse conjunto etimológico e semântico tem pertinência com a situação de
quem, sendo participante ativo ou beneficiário inscrito, ou com outro título de
legitimidade, passa a ter condições, pelo preenchimento dos pressupostos
necessários, de “escolher”, de “optar” por passar ao estado de assistido: ser “elegível
a um benefício” significa poder fazer “opção”, requerendo-o.
A noção linguística embutida nos vocábulos, e traduzida na situação
factual antes tracejada, é caracterizada, juridicamente, pela identificação de
um direito potestativo de opção, de que é titular o participante ou o
beneficiário.
Esse direito formativo é, como direito de opção, um direito potestativo
gerador (PONTES, op. cit., V: 313), direito-poder formador da situação jurídica
de assistido.
Esse direito potestativo é direito adquirido ab ovo, mas com seu
exercício retido até a completação dos pressupostos correspondentes; ou seja,
era adquirido, mas, até a elegibilidade, não exercitável, ou seja, ainda não
consumado; o participante, ou beneficiário se torna elegível.
Nessa contextura, aquilo que era direito futuro deferido, passa, pela
expressão de vontade do titular do direito subjetivo de opção, cujo exercício é
condicionado ao preenchimento de determinados pressupostos, a direito atual,
completamente adquirido, em função do exercício do direito potestativo;
direito, esse, só exercitável, mercê de preenchimento dos referidos
pressupostos.
O que o § 1º do art. 68 da LC 109/01 faz é, simplesmente, reconhecer
consumado – não confundir com exaurido.
Com efeito, a formalização do requerimento, dito de “concessão do benefício”,
não é pressuposto de elegibilidade, ou seja, de exercício do direito de opção,
mas o próprio exercício desse, e, portanto, consubstanciador da opção.
O direito de opção existe e já está adquirido, sendo a elegibilidade sua
consumação, pela habilitação a seu exercício, que, ocorrendo, o faz exercitado.
Impõe-se distinguir, no Regulamento do Plano Previdencial, o que é
ontologicamente regulamentar – como disposições procedimentais – e aquilo que é
proposta de contrato, figurante no Plano de Benefícios. Somente as modificações
das primeiras atingem os participantes e beneficiários ainda não elegíveis.
As últimas, quando se incorporam a um contrato de adesão,
individualizado, passam, in casu, a ser cláusulas contratuais.
Enquanto propostas, suas alterações só envolvem os empregados e
dirigentes do patrocinador que ainda não aderiram.
Nesse quadro, constata-se que o parágrafo único do art. 17 também é
favorável aos partícipes do plano, eis que lhes assegura a ultratividade da
parte efetivamente regulamentar (alude, o texto da regra, a ‘disposições
regulamentares’), desde a elegibilidade a benefício ligado a aposentadoria;
como é o caso das disposições de custeio normal.
Aliás, a interpretação do termo ‘aposentadoria’ há de ser no sentido de
benefício programado e de invalidez, porquanto, como estatui o art. 68, § 2º,
‘a concessão de benefício pela previdência complementar não depende de
benefício pelo regime geral de previdência social’; e, no caso de plano ligado
a instituidor, por exemplo, nada têm a ver, em geral, os benefícios, com
aposentação, tratando-se de rendas mensais programadas ou de risco.
Verifica-se, em suma, que a disposição do parágrafo único do art. 17
complementa a do § 1º do art. 68, pois que, se a primeira regra abrangesse a
parte contratual do regulamento do plano, quanto a essa ela seria inútil,
diante da segunda. E é princípio
jurídico de que, na lei, não há disposições, nem palavras inúteis.
Trata-se de hipótese de ultraeficácia ou ultratividade; fenômeno
jurídico consistente na incidência da regra em período posterior à sua
revogação.
Não se confunde ela, com a asseguração do direito adquirido, porquanto
este diz respeito a direitos subjetivos, a situações concretizadas, segundo o
Direito Intertemporal; enquanto a primeira tem relação com as disposições
jurídicas (estatais ou negociais, como a de estatuto, de regimento, de
regulamento), cuja eficácia incidente sobreviverá ao término da respectiva
vigência; caracterizando a ultraeficácia, se essa prevista estiver.
Constitui o oposto, pois, da retroatividade ou retroeficácia, que se
identifica com a eficácia irradiada para antes do início da vigência.
Trata-se, destarte, a regra do parágrafo único do art. 17, de matéria de
Direito Transitório, cujos preceitos, como sua designação indica, dispõem sobre
situações de transição entre dois regimes jurídicos – o primeiro, revogado e
substituído por um novo –, e que não estariam protegidas pelos princípios e
regras de Direito Intertemporal, o qual tem, como institutos básicos, o ato
jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Situações outras, que
merecem, porém, resguardo, por envolverem interesses legítimos, que devem ser
preservados pelo Direito.
Ao preceituar, o parágrafo único do art. 17 da LC 109/01, a asseguração,
ao partícipe elegível, a aplicação das disposições regulamentares vigentes na
data em que a elegibilidade, a um benefício de aposentação, se consumou, só
está estabelecendo a ultraeficácia do que, no regulamento do plano, tem
natureza estatutária, objetiva, e, por isso, não se descolou daquele, e não se
tornou cláusula contratual individualizada.
Quanto às dessa espécie, funciona a
garantia da Intangibilidade das situações subjetivas contratuais, em face de
ato unilateral de uma das partes.
Em verdade, o que se fez contratual, deixou, para o partícipe
contratante, de ser regulamentar; e, portanto, à sua situação são alheias as
alterações das disposições que foram objeto da proposta do contrato que
celebrou.
Por outro lado, além desse significado garantidor, a regra legal em
comento tem significação limitante.
Com efeito, a norma consagra a inexistência de direito a
parcelas de benefício; assegurando, tão somente, esse, em sua integralidade,
quando do atingimento, para o partícipe, da condição de elegível.
Sinaliza, portanto, que não existe direito a parcelas proporcionais de
benefício, pois que, do contrário, se poderia cogitar, de um direito de opção,
precoce, antes da elegibilidade ordinária.
Diferentes de “parcelas de benefícios” são, certamente, os
benefícios proporcionais, inclusive os saldados e antecipados; que, de
configuração negocial expressa, já são objeto de direito adquirido do
participante, desde a adesão.
Ressalvem-se, também, os institutos do resgate e da portabilidade, que
têm normatividade específica; mas ambos já adquiridos, em certo momento, mas
consumados.
Do Direito Intertemporal cuida o § 1º do art. 68.
Esse, no entanto, só tem por objeto o direito adquirido consumado, o
direito adquirido exercitável; definindo o fato gerador da configuração da
exercibilidade, que é a elegibilidade, pelo preenchimento dos pressupostos de
exercício de direito já adquirido.
Os dispositivos em referência, não são, portanto, inconstitucionais;
exigindo, porém, que interpretação conforme a Constituição, na moldura
tracejada.
Desembargador Federal Sergio
D’Andréa Ferreira